terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A Filosofia da Morbidez (Exaltação, de Albertina Bertha)

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Ao lado de Gonzaga Duque e Hilário Tácito, Albertina Bertha emerge como uma das mais originais romancistas de nossa tropical Belle Époque, sobretudo com um romance que, sem ser um primor em termos de realização estética, afirma-se como obra de inesperada originalidade: Exaltação (1916).
Contrariamente aos dois romancistas citados, o cacofônico nome de Albertina Bertha liga-se de modo um tanto oblíquo ao movimento academicista que vigorou na passagem do século XIX para o XX, em especial pela forma em que o romance é moldado - relativamente rígido, forjado por meio de uma linguagem castiça, sem desvios de prosódia ou gramática, com um apurado rigor linguístico. Isso apesar da densidade poética de sua linguagem, o que faz dele um dos mais “líricos” da época, levando um romancista e crítico rigoroso como Lima Barreto a considerá-lo um autêntico poema em prosa (BARRETO, 1956). No que se refere aos temas e motivos presentes na obra, Arbertina Bertha procurou inovar em alguns sentidos, abordando, por exemplo, com veemência e coragem, a temática do papel desempenhado pela mulher na sociedade. Chega a colocar sob suspeição o casamento, uma das tradições sociais e familiares mais intocáveis na época, com a ousadia que só encontraríamos - e, mesmo assim, limitadamente - numa Júlia Lopes de Almeida (LOPES, 1989) ou numa Carmen Dolores (LOPES, 1991).
Mas sua relevância fica mesmo por conta da filosofia mórbida, decadente, nietzschiana de que Exaltação é dotado. Com efeito, recebendo influência direta do pessimismo de Nietzsche, Albertina Bertha esmera-se em fazer de suas personagens seres psicologicamente decadente, marcados por um temperamento nervoso, por uma inteligência mordaz, por uma índole febril. Nesse sentido, sua morbidez tem pouco de enfermiço e corrupto, e muito de um mundanismo blasé. Trata-se, como afirma a própria autora, de uma morbidez lírica, atestada por esta descrição da protagonista do romance:

“quanta vez elle lhe não surprehendera, em tardes calidas, olhares obliquos, esses olhares que têm o gesto das plantas, dos elementos, das coisas que fogem, olhares que têm integralidade, lucidez ardente, clamor desesperado, gritos silenciosos de um determinismo implacavel [...] E, na sua meninice, a fascinação morbida para com as coisas mortas, a volupia funebre que a agitava, ao enterrar os insectos, as bonecas quebradas” (BERTHA, 1918, p. 69);

ou por esta passagem em que ela fala de si mesma:

“adoro a paz, a solidão, as coisas estranhas [...] Rio-me muito, digo tolices; mas tambem tenho melancolias, que me roem as proprias fontes da existencia; é-me um mal ingenito” (BERTHA, 1918, p. 83).

De fato, trata-se de uma personalidade incomum, cuja principal característica é certa disponibilidade para com uma existência morbígena, introspectiva, afeita a uma espécie de ultra-romantismo decadente. Apesar disso, Exaltação não deixa de ser um romance de "ideias" existencialistas, tudo conformado por uma uma insólita perscrutação do eu-profundo, o que faz do romance uma obra que se situa num meio-termo entre os psicologismos bourgetiano de um Coelho Neto e fatalista de um Gonzaga Duque.
Curiosamente, esse excessivo psicologismo de que padece o romance, aliado à filosofia mórbida que o conforma, não encobriram uma de suas principais virtudes: o tratamento diferenciado dado à temática da libertação feminina. Numa época em que a mulher padecia de limitações nos mais elementares diretos, Albertina Bertha toma as dores da minoria de que fazia parte e coloca sob suspeição todos os mais empedernidos preconceitos em relação à mulher, vigentes na época. Assim, suas opiniões deveriam soar de modo incômodo aos ouvidos dos guardiões das tradições familiares, fazendo de sua obra, algumas vezes, um verdadeiro libelo feminista em favor dos direitos da mulher, ainda que tudo isso estivesse envolto por uma delicada roupagem decadentista.



Referências

BARRETO, Lima. Correspondência. Tomo I. São Paulo, Brasiliense, 1956.
BERTHA, Albertina. Exaltação. Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos, 1918.
LOPES, Maria Angélica. “Júlia Lopes de Almeida e o trabalho feminino na burguesia”. Luso-Brazilian Review, Wisconsin, Vol. 26, No. 01: 45-57, 1989.
_____. “O crime da Galeria Crystal, em 1909: a jornalista como árbitro”. Travessia, Florianópolis, No. 23: 167-176, 1991.


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